ONDE A PELE SE TORNA RELEVO E O CORPO SE DISSOLVE NA PAISAGEM

O Corpo como territĂ³rio a ser explorado

CARTOGRAFIA DO COSMOS

A direĂ§Ă£o criativa das peças digitais Corpuscapes surgiu da necessidade de expandir a escala da matĂ©ria, dissolvendo a fronteira entre o micro e o macro, entre o corpo e o cosmos.

As formas, desenhadas com contornos Ă¡speros e superfĂ­cies irregulares, evocam a aridez geolĂ³gica da superfĂ­cie de outros planetas, como a Lua e Marte — territĂ³rios inĂ³spitos, marcados pelo silĂªncio e pelo tempo, aguardando ser decifrados por aqueles que os tentam habitarTal como os vestĂ­gios de antigas civilizações, o corpo humano Ă© aqui reduzido a fragmentos de informaĂ§Ă£o, observados e interpretados Ă  distĂ¢ncia.

Aqui, o corpo deixa de ser apenas corpo. Torna-se paisagem, relevo, vestĂ­gio geolĂ³gico. 

A textura da pele e a superfĂ­cie Ă¡rida de Marte e da Lua fundem-se numa mesma matĂ©ria, como se a anatomia humana fosse apenas uma versĂ£o reduzida de algo maior— um planeta, uma rocha perdida no universo. 

O espaço ao redor, negro e sem referĂªncia, amplia essa sensaĂ§Ă£o de deslocamento, como se essas formas nĂ£o pertencessem a um Ăºnico territĂ³rio, mas a todos ao mesmo tempo.

Nesta fusĂ£o entre corpo e paisagem cĂ³smica, a obra sugere um exercĂ­cio de escala, um convite a repensar a nossa existĂªncia nĂ£o como algo isolado, mas como parte de um sistema maior — um ciclo contĂ­nuo de transformaĂ§Ă£o, onde a poeira do corpo se funde ao tempo, perpetuando vestĂ­gios da sua presença no cosmos.

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SuperfĂ­cie Lunar. Imagem retirada do Freepik.

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Image via Bruce Murray Laboratory for Planetary Visualization
 

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SuperfĂ­cie Lunar. Imagem retirada do Freepik.

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Image via NASA / JPL-Caltech / UArizona

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A natureza e o territĂ³rio que pisamos movem-se como uma argila sobre os nossos corpos, a um ritmo homeopĂ¡tico que vai esculpindo os nossos caminhos e passagens de forma quase estĂ¡tica — uma provocaĂ§Ă£o escultĂ³rica, onde o ambiente molda e Ă© moldado, delineando texturas e formas. Falamos entĂ£o de um territĂ³rio que, na sua condiĂ§Ă£o intocada, existe por si sĂ³ — esculpido apenas pela erosĂ£o do tempo, pelas forças invisĂ­veis que o sustentam.

Mas, ao ser tocado pelo humano, inicia-se uma dança inevitĂ¡vel — um jogo entre criaĂ§Ă£o e destruiĂ§Ă£o, onde a presença molda e altera, convertendo paisagens em fragmentos de tempo, vestĂ­gios de um impacto irreversĂ­vel. O solo que outrora sustentava a vida torna-se testemunho do que existiu, fossilizando-se na sua ausĂªncia.

Agora, como se um arquivo digital preservasse vestĂ­gios de um mundo extinto, as peças Corpuscapes surgem como fragmentos de um territĂ³rio perdido — fĂ³sseis digitais em paisagens moldadas pela presença dos seus prĂ³prios habitantes. A matĂ©ria dissolve-se, mas permanece registada, suspensa no tempo, arquivada por uma civilizaĂ§Ă£o distante que tenta decifrar um espaço que jĂ¡ nĂ£o existe.

Corpuscapes

Entre repulsa e contemplaĂ§Ă£o, Corpuscapes parte da fragilidade do corpo — uma estrutura provisĂ³ria, vulnerĂ¡vel Ă  passagem do tempo e Ă  desintegraĂ§Ă£o.

As poses dos corpos sĂ£o frĂ¡geis, por vezes em posiĂ§Ă£o fetal, como se tentassem regressar ao lugar onde sempre pertenceram. Cada movimento acompanha a topografia das montanhas, novas formas sĂ£o esculpidas, fundindo-se com a prĂ³pria anatomia e revelando corpos que oscilam entre a abstraĂ§Ă£o e a figuraĂ§Ă£o, conforme o nĂ­vel de erosĂ£o.

Essa fragilidade visual, esse paradoxo entre profundidade e superfĂ­cie, reforça a ideia de que aquilo que foi matĂ©ria viva Ă© agora um fragmento do passado, interpretado por olhos que nĂ£o pertencem ao nosso tempo.


As peças surgem como impressões tridimensionais que, paradoxalmente, se apoiam sobre um plano sem espessura aparente — um suporte que sustenta volumes emergentes, mas permanece bidimensional na sua base.

Os seus contornos irregulares evocam a fragilidade de um suporte etĂ©reo, como folhas ressequidas de um arquivo fĂ³ssil digital, onde a tridimensionalidade se esbate em vestĂ­gios visuais.

Como se fossem fragmentos preservados por uma civilizaĂ§Ă£o futura, estas paisagens sugerem um estudo arqueolĂ³gico da presença humana — um catĂ¡logo de formas que outrora se moveram e agora repousam, eternizadas em camadas de terreno digital, ressoando como ecos de um passado fossilizado, Ă  deriva entre matĂ©ria e memĂ³ria.

O que resta Ă© a memĂ³ria de um espaço outrora habitado, um vestĂ­gio de algo que foi e que, ao transformar-se, nunca deixa de ser.

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ARQUIVO

Corpuscapes

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Processo

As paisagens começaram como registos fotogrĂ¡ficos do meu corpo. Essas imagens foram reinterpretadas como pinturas digitais e processadas em 3D, transformando a anatomia num territĂ³rio aberto Ă  mutaĂ§Ă£o, explorando tambĂ©m corpos de outras pessoas.

Cada relevo emergiu de um equilĂ­brio entre o acaso e a intenĂ§Ă£o, oscilando entre o familiar e o desconhecido. Como vestĂ­gios de algo que jĂ¡ existiu, essas paisagens sĂ£o ecos de um corpo que se dissolve no espaço, convertendo-se em territĂ³rio.

Incorporei padrões inspirados em redes neuronais, que esculpiram vales e estruturas no terreno, como se a prĂ³pria anatomia deixasse rastros na geologia. Linhas que poderiam ser circuitos internos ou mapas de um territĂ³rio longĂ­nquo emergem na superfĂ­cie, reforçando a fusĂ£o entre corpo e paisagem. O que parecia fragmento torna-se extensĂ£o, e o que era humano transforma-se em relevo — um territĂ³rio sem escala definida, Ă  deriva entre tempos e formas.

Software: C4D, Blender, After Effects, Davinci Studio, Terrain Software, Touch Designer, Procreate, Adobe Photoshop

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A Topografia do InvisĂ­vel

RAMIFICAÇÕES ENTRE CORPO E UNIVERSO

A criaĂ§Ă£o destas paisagens digitais teve inĂ­cio na observaĂ§Ă£o das redes neuronais — estruturas biolĂ³gicas onde a informaĂ§Ă£o se propaga em circuitos interligados, esculpindo trajetĂ³rias de pensamento. Inspirada por essa lĂ³gica orgĂ¢nica, utilizei imagens de redes neuronais como parte integrante na conceĂ§Ă£o destas peças digitais, transpondo os seus padrões intricados para um novo territĂ³rio visual.

Tal como os neurĂ³nios se conectam e expandem impulsos elĂ©tricos pelo cĂ©rebro, as formas desenvolvem-se aqui como filamentos entrelaçados que crescem e se desdobram, simulando um sistema vivo

A geometria dessas redes, traduzida em relevo digital, torna-se paisagem — uma cartografia fluida onde a estrutura do pensamento encontra eco na topografia.

O pensamento esculpe o ambiente e o ambiente, por sua vez, transforma a mente. A mesma lĂ³gica que molda as sinapses e dĂ¡ forma ao pensamento parece refletir-se na organizaĂ§Ă£o da paisagem, como se ambos pertencessem a um Ăºnico sistema pulsante.

Ao fundir ciĂªncia e abstraĂ§Ă£o, a representaĂ§Ă£o do invisĂ­vel manifesta-se em terrenos que oscilam entre o biolĂ³gico e o cĂ³smico.

O que antes eram sinapses convertidas em imagem transforma-se agora em territĂ³rio — um espaço onde a matĂ©ria e a memĂ³ria convergem, ressoando como um vestĂ­gio daquilo que organiza tanto o pensamento humano quanto o universo.

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Imagem gerada por computador, cortesia de Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian.

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Na fusĂ£o entre forma e paisagem, a anatomia humana torna-se topografia, traçando um mapa efĂ©mero do que um dia existiu.

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DecomposiĂ§Ă£o

ExploraĂ§Ă£o escultĂ³rica avançada

FASE #02 

Numa fase posterior, pretendo criar peças onde aprofundo a abstraĂ§Ă£o da figura humana, como resultado de um estado de decomposiĂ§Ă£o e transformaĂ§Ă£o avançada. Nesta fase, a figura humana dissolve-se ainda mais, atingindo um estado onde corpo e paisagem se tornam indissociĂ¡veis.

A carne desaparece, deixando um esqueleto que emerge e se funde ao ambiente, prolongando suas linhas na forma de estruturas minerais, texturas erodidas e superfĂ­cies orgĂ¢nicas transformadas.

A espinha vertebral fragmenta-se e ramifica-se como uma extensĂ£o natural do terreno, enquanto ossos adquirem formas que lembram corais fossilizados ou formações rochosas ancestrais. Aqui, a distinĂ§Ă£o entre biolĂ³gico e geolĂ³gico desmorona.

O que antes era corpo agora molda a paisagem, convertendo-se em esculturas que desafiam a noĂ§Ă£o de identidade e permanĂªncia. A transiĂ§Ă£o do plano bidimensional para o tridimensional Ă© total, e estas formas deixam de ser apenas representações para se tornarem entidades fĂ­sicas. O vestĂ­gio humano jĂ¡ nĂ£o Ă© um traço reconhecĂ­vel, mas uma presença que se expande, transformando o espaço ao seu redor.

O corpo e a paisagem jĂ¡ nĂ£o se distinguem — tornam-se uma entidade Ăºnica, onde ossos se transformam em rocha, e formas anatĂ³micas se dissolvem em padrões geolĂ³gicos. A peça ganha fisicalidade, deixa de ser apenas representaĂ§Ă£o e passa a existir como matĂ©ria ativa, esculpindo a paisagem como se sempre lhe pertencesse.

Imagem gerada por computador, cortesia de Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian.

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